EUA dispostos a reconhecer futuro Governo sírio sob condições

por Graça Andrade Ramos - RTP
Combatente rebelde sírio na entrada do Palácio Presidencial em Damasco Amr Abdallah Dalsh - Reuters

A Casa Branca e o Departamento de Estado expressaram quase em simultâneo, esta terça-feira, o desejo de que, após a fase de transição de poder devido à queda do regime de Bashar al-Assad, a Síria possa evoluir para um governo "mais representativo" e "inclusivo".

Em comunicado do Departamento de Estado dos EUA, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, afirmou que os Estados Unidos apoiam plenamente o processo de transição actualmente em curso no país. O desejo é que este processo desemboque num governo "credível, inclusivo e não sectário, que vá ao encontro das exigências internacionais de transparência e de responsabilidade".


"O processo de transição e o novo Governo devem manter compromissos claros para respeitar plenamente os direitos das minorias, faciltar o fluxo de apoio humanitário a todos que dele necessitem", referiu ainda Blinken. 

Outras condições para o apoio norte-americano incluem "evitar que a Síria seja usada como base para terrorismo ou se torne uma ameaça para os seus vizinhos" e garantir "que quaisquer arsenais de armas químicas ou biológicas estejam seguros e sejam destruídos em segurança", referiu o comunicado de Blinken.

"Os Estados Unidos irão reconhecer e apoiar plenamente um futuro governo sírio que resulte deste processo", prometeu o secretário de Estado, exortando todas as nações a seguirem esta estratégia.
Washington atenta
"O povo sírio irá decidir o futuro da Síria. Todas as nações devem adotar o apoio a um processo inclusivo e transparente e a abster-se de toda a ingerência externa", aconselhou também Blinken, num recado à Turquia, ao Irão e à Rússia, ex-apoiantes do presidente sírio deposto, Bashar al-Assad.

"Cabe agora a todos os grupos de oposição que desejem desempenhar um papel no Governo da Síria, demonstrar o seu compromisso a favor dos direitos de todos os sírios, de um Estado de Direito e da proteção das minorias religiosas e étnicas", acrescentou o secretário de Estado dos EUA.

"Temos um interesse claro em fazer o que pudermos para evitar a fragmentação da Síria, a migração em massa a partir da Síria e, claro, a exportação do terrorismo e do extremismo", disse Blinken.

O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, ecoou estas disposições, afirmando que a Administração norte-americana acompanha de perto a evolução política na Síria, indicando que estão a ser mantidos contactos com grupos de oposição.

Kirby referiu que os Estados Unidos pretendem garantir que o povo sírio será capaz de determinar o seu futuro e um "governo melhor e mais representativo".
Bruxelas receia "cenários aterradores"
A Síria agrega diversas comunidades e grupos religiosos diversos, com elevado potencial para confrontos. Durante décadas, o punho de ferro da dinastia Assad, oriunda do grupo minoritário islâmico alauíta, protegeu este e outros grupos, como as comunidades cristãs, de serem alvo de, por exemplo, grupos islamitas. Esse equilíbrio desapareceu.

Kaja Kallas, a nova representante diplomática da União Europeia, frisou esta terça-feira que a transição em curso na Síria, após a queda de Bashar al-Assad, se prevê difícil, advertindo que o país não pode repetir "cenários aterradores" do Iraque, da Líbia ou do Afeganistão.

"Esta transição apresenta enormes desafios para a Síria e a região", declarou Kallas perante o Parlamento Europeu. "Há receios legítimos quanto a violência entre grupos religiosos, ao renascimento extremista e ao vazio político", afirmou.

O maior receio da comunidade internacional é o de ver a aliança rebelde, que derrubou o regime de Assad, tomando Damasco em 12 dias de ofensiva militar, fragmentar-se dando início a uma guerra civil pelo poder, que envolva potências regionais ou permita à al Qaeda ou ao grupo Estado Islâmico, duas organizações terroristas de origem islamita sunita, estabelecerem-se em território sírio.

Evitar este cenário irá requerer o esforço de diversos atores internacionais.
O fator curdo
Um bom exemplo que pode suceder é o povo curdo, distribuído pela Síria, Iraque e Turquia, e que combate nestes territórios onde são minoritários, pela obtenção de um território nacional próprio. 

A Turquia considera-os terroristas e combate-os não só no seu território mas igualmente na Síria. Na estratégia de manter a estabilidade na Síria, os curdos serão provavelmente o elo mais fraco.

O porta-voz da Casa Branca indicou esta terça-feira que os Estados Unidos mantêm por isso igualmente contactos com a Turquia e com as Forças Sírias Curdas.

Para já o objetivo é garantir a retirada segura dos curdos da cidade de Manbij, na província de Idlib, cercada segunda-feira por grupos rebeldes sírios apoiados por Ancara.

Fontes rebeldes sírias indicaram que foi alcançado um acordo para a retirada pacífica dos curdos de Manbij, enquanto o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, aplaudiu a operação militar e a expulsão de "terroristas" de Manbij.

Fonte da oposição rebelde, afirmou que os combatentes curdos "abandonaram a cidade e precisam de recuar de outras áreas" a leste de Manbij.

Além de pugnar pela proteção dos curdos, Washington já se declarou "determinada" em evitar que o grupo Estado Islâmico, que chegou a dominar, há uma década, vastas regiões do nordeste da Síria, volte a reconstruir ou a criar bastiões no território, aproveitando um vazio de poder em Damasco.

As forças norte-americanas na região atacaram por isso nas últimas horas alvos do Estado Islâmico na Síria, à laia de aviso.

Os dois primeiros dias de transmissão de poder, após a fuga do presidente Bashar al-Assad no domingo, decorreram de forma pacífica. Até agora, os líderes da aliança rebelde que assumiu o poder prometeram uma transição sem perseguição de minorias.
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